quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Do Armário do Cavalo de D. José



O Cavalo de D. José é um equídeo muito bem apessoado, preocupado com a sua aparência, um dandy.
Nesta gravura, publicada na Gentleman’s Gazette de 1760, vemo-lo trajando um lindo redingote de pernas de D. José elaborado pelo célebre alfaiate lisboeta Jorge Armando, com os mais finos linhos da Irlanda. Trata-se de um modelo de verão, mais ligeiro do que o adereço monarca completo e que dispensa a utilização de sela. Pode questionar-se a utilidade desta peça de vestuário, que não tapa do frio nem do calor, não protege da chuva, do vento ou do sol, nem tampouco cobre as partes pudendas de um cavalo, mas não se iluda o leitor, pois a primeira função de qualquer peça de roupa é o adorno e embelezamento do seu proprietário. Se a protecção dos elementos naturais fosse a razão que nos levasse a ataviar-nos de panos, o clima ameno da Capital do Reyno permitir-nos-ia uma nudez primordial durante grande parte do ano; se por outro lado fosse o pudor católico o motivo único para o vestuário dos fieis, então andaríamos todos trajados com aborrecidas sotainas de um tristonho tom pardo.
As pregas do casaco de pernas de D. José são cuidadosamente estudadas para conferir um ar natural ao conjunto. Os drapejados assim obtidos lembram as togas dos senadores da Roma antiga. O Cavalo de D. José tarda quotidianamente cinco horas em arranjar-se. este processo é tão lento e cuidadoso que os transeuntes, lá em baixo na praça, nem se apercebem dos seus aturados movimentos. O resultado de tamanha preparação confere-lhe alguma rigidez, mas não eram os colarinhos de Brummell tão engomados que tornavam impossível virar a cabeça sem que todos os membros o autorizassem? A elegância tem o seu preço.



À pergunta : "un Roi, a quoi ça sert?", lançada em tom baixo e rancoroso pelo cavalo de Marat quando passava aos pés da estátua, velho e maltratado, puxando uma carroça de vitualhas do exército de Junot, no fim de Novembro de 1807, o nosso quadrúpede respondeu surpreendido: "ora essa, é um complemento muitíssimo janota, velha pileca!"



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